Nísia Trindade, Presidente da Fiocruz

Nísia é a primeira mulher a presidir a Instituição, lidera as ações da Fiocruz no enfrentamento da pandemia de Covid-19 no Brasil. Criou um novo Centro Hospitalar no campus de Manguinhos, coordena no país, o ensaio clínico Solidarity da Organização Mundial da Saúde (OMS). Também tornou a Fiocruz em laboratório de referência para a OMS em Covid-19 nas Américas.

Criou o Observatório Covid-19, rede transdisciplinar que realiza pesquisas e sistematiza dados epidemiológicos, monitora e divulga informações, para subsidiar políticas públicas, sobre a circulação do vírus e seus impactos sociais em diferentes regiões no Brasil. Nísia é uma das 8 protagonistas do filme Mulheres Iluminando o Mundo.

 

Qual a importância do protagonismo feminino na construção de diferentes narrativas?

Pela sua vivência, as mulheres tendem a trazer um olhar de quem vê o mundo de uma posição particular. Elas experimentam situações de subalternização que podem fazer com que suas narrativas não negligenciem o impacto das desigualdades sociais e simbólicas, e não reproduzam os discursos e as estruturas sociais que geram essas desigualdades. Digo “tendem” e “podem” porque ser mulher não é a única situação social subalternizada, mas também ser negro, ser pobre, ser lgbtqia+ entre muitas outras. E porque estar nessa posição não é garantia de que não se irá reproduzir preconceitos; precisa-se estar sempre atenta.

A superação das iniquidades por isso precisa passar, inevitavelmente, pelo protagonismo das mulheres na sociedade civil, na luta por seus direitos e na construção de suas narrativas. Felizmente, tenho a impressão de que muitos movimentos hoje indicam uma forte presença de mulheres em seu interior, inclusive em posições de liderança e que, muitas dessas mulheres, são também negras e indígenas.

 

O filme preserva e compartilha o legado de mulheres com diversidade étnica, de profissões, de idades. Você percebe que existe uma ausência nesse sentido, no cinema e nas diferentes mídias?

Na sociedade como um todo há essa ausência. Ela vem diminuindo, mas ainda se mantém de forma evidente. Preservar e compartilhar a memória desse legado das diferentes mulheres é uma maneira de enfrentar a violência silenciosa que faz com que as mulheres sejam invisibilizadas. Na ciência isso também acontece, um longo trabalho realizado por muitas cientistas é ignorado. As referências ficam muito abaixo da sua contribuição intelectual e do seu esforço de construção institucional no setor público, nas universidades e nas instituições de pesquisa. Percebo que isso acontece nas diferentes áreas de atuação, não apenas na ciência. Ecoar no cinema e nas diferentes mídias essa contribuição das mulheres permite irradiar e encorajar que isso se faça de forma mais disseminada.

 

Discute-se muito o conceito de empoderamento. Pra você, o que é empoderamento e quais mulheres te inspiram?

Empoderamento é tomar consciência de sua própria potência, de seu desejo e de sua capacidade de realizá-lo. A tendência, relativamente recente, de desafiar a violência estrutural que insiste em minar essa potência, passa por discutir cada vez mais esse conceito. Tenho admiração por muitas mulheres, que me inspiraram por me fazer sentir que seu sucesso não era apenas individual, mas coletivo, por contarem com a presença de outras mulheres e com a efetividade de políticas públicas.

Senti que esse caminho árduo não precisa ser trilhado sozinha, na verdade, ele nunca é trilhado sozinha. Ao se relatarem as trajetórias dessas mulheres, percebe-se as barreiras que precisaram superar, são muitas vezes as mesmas para todas: salários menores, cuidado com os filhos, maior desconfiança em relação à sua capacidade. Além disso, também se observa a presença decisiva de outras mulheres que as cercaram e de algumas políticas que lhe deram suporte; a realização não se deu apenas pelo esforço e talento pessoal. Quando uma mulher se realiza, em alguma medida, faz com que todas acreditem que possam se realizar, com que todas se empoderem. Mas é preciso lembrar que para além do exemplo, políticas públicas são fundamentais para tornar efetivo o empoderamento coletivo.